Por que há tantos conflitos entre os trabalhadores acampados e assentados contra os grileiros, madeireiros e posseiros em Anapu?
Anapu foi projetado para ser um grande polo agropecuário. Não foi projetado para ser um local de desenvolvimento sustentável. Por que eles mataram a Dorothy? Mataram porque ela batalhou pelos Projetos de Desenvolvimento Sustentáveis (PDS).
O seu principal acusador é o Silvério Fernandes, presidente do Sindicato Rural de Anapu. Ele acusa o senhor, entre outras denúncias, de liderar uma organização criminosa para invadir as terras na cidade...
A família Fernandes fez parte do consórcio que matou a Dorothy [Laudelino Délio Fernandes foi apontado como facilitador da fuga de Vitalmiro Matos de Moura, o Bida, um dos mandantes]. Eles [os Fernandes] se dizem donos dessas terras. Qual a raiva que se tem? É que o PDS foi criado dentro da área que o Délio tinha vendido para o Taradão [Regivaldo Pereira Galvão, que foi condenado como o outro mandante da morte de Dorothy]. O Taradão vendeu para o Bida e eles mandaram matar a Dorothy. Esse consórcio matou a Dorothy.
O que o senhor tem a dizer sobre a acusação de liderar uma organização criminosa?
Achei interessante quando o Francisco (uma das testemunhas de defesa no processo do padre) estava dando depoimento. Ele é um professor e me conhece há 30 anos e disse: “Eu não conheço o Amaro que vocês estão pintando”. Se eu fiz alguma coisa de errado foi encaminhar o povo para buscar seus direitos no Ministério Público, na Defensoria Pública e em outros órgãos, pois muitas das vezes as pessoas eram ameaçadas, eram mortas e ficava por isso mesmo. A delegacia de polícia de Anapu nunca gostou de trabalhador. Tem um peso e duas medidas. Isso a gente denunciava. Por que aconteceu isso com a Dorothy? Por que aconteceu comigo? Por que tem a retaliação em cima da CPT e das irmãs? É porque nós não conseguimos nos calar diante das injustiças. Se eu fiz algo de errado foi ajudar a colocar a terra na mão do trabalhador e da trabalhadora.
O senhor teme ser assassinado, como aconteceu com a Dorothy?
Eu desconfio que eles armaram para me matar dentro da cadeia. Fiquei 92 dias preso. Quando eu cheguei lá o Taradão estava lá dentro. Foi ele que me deu Feliz Páscoa primeiro. Eu não disse nada e nem estendi a mão. Ele disse: “Você é inocente. Eu sou inocente. Foi uma coisa que armaram para nós”. Nas quatro vezes que a gente se cruzou ele falou isso para mim. Quando saiu o habeas corpus dele ele disse: “Padre, clareou para mim e vai clarear para você também”. Quando ele saiu passou na frente da minha cela e se despediu. Naquele período que eu estava ali houve rebelião em Belém, Itaituba, Marabá e não houve aqui, em Altamira. Só teve depois que eu saí. Eu desconfio que eles me matariam durante a rebelião.
Além da denúncia de liderar as invasões, o senhor também foi acusado pela polícia civil de assédio sexual. Chegaram a espalhar um vídeo íntimo do senhor. Foi uma tentativa de assassinato moral?
Eu, com 51 anos, se quisesse fazer alguma coisa não ia fazer isso filmando. Foi difícil, mas quem me conhece, como os próprios bispos, entenderam e disseram que não queriam ouvir falar nisso. A promotora, inclusive, tirou isso da acusação feita pelo delegado do processo. Eles pensaram que o pessoal da cidade ia ficar revoltado comigo. Você viu como é o povo comigo lá em Anapu? [no dia da segunda audiência, quando chegou na porta do Fórum, o padre foi abraçado por várias pessoas da cidade]. Eu tenho ciência dos meus atos. Quando terminar esse negócio eu quero entrar com pedido de danos morais.
Enquanto o senhor estava preso o irmão de Silvério, o Luciano Fernandes, foi assassinado em Anapu. A família chegou a atribuir a morte ao senhor, apesar da investigação da polícia descartar essa hipótese...
Em momento algum eu chorei quando fui preso. Aquele monte de carro que levaram para me prender como se eu fosse um bandido. Colocaram o nome na operação de “Eça de Queiroz" [escritor português autor do clássico "O Crime do Padre Amaro”] para dar aquela visibilidade. Doído foi ficar sentado no balde, desses de margarina, que é baixo e deixa o joelho dolorido, e ainda escutar o Silvério dizer que tinha certeza que eu que tinha mandado matar o irmão dele.
Silvério gravou um vídeo no dia da morte do irmão (20 de maio) pedindo ajuda ao então candidato à presidência Jair Bolsonaro e relacionando a morte com conflitos com a disputa por terra...
Ele queria nos prejudicar de uma forma ou de outra. Primeiro ele jogou a questão moral, a promotora tirou e não colou. Depois ele jogou essa.
A acusação do MP diz que o senhor recebeu depósitos na sua conta. Há quem diga que o senhor teria chantageado adversários. Isso aconteceu?
Quando fui preso, eu tinha R$ 330 na minha conta. No início aqui em Anapu eu ganhava quatro salários, com plano de saúde. Pelas contas que o advogado fez era para eu ter mais patrimônio. Depois caiu para dois salários e tivemos que pagar pelo plano de saúde. Nunca recebi dinheiro da mão desse homem, do Silvério Fernandes. A questão deles é para dizer que era uma organização criminosa.
E a acusação de invasão de propriedade?
Nesses anos que estou no Anapu o pessoal ocupou terra sim. Mas se alguém disser que eu liderei é mentira. A Comissão Pastoral da Terra é uma entidade ligada à igreja católica. O papel nosso é dar assessoria aos trabalhadores e trabalhadoras rurais em qualquer tipo de situação em que eles estejam. O trabalho da CPT é dar assessoria e mostrar que o pessoal que ocupa uma terra pública da União tem direito a um pedaço de terra para trabalhar. O papel da CPT é esse, dar formação. O papel não é fazer por eles, mas ajudá-los a andar com seus próprios pés.